O ÓBVIO FINALMENTE REVELADO!!!

terça-feira, 18 de setembro de 2012

TABULA RASA: O MASSACRE ARQUITETÔNICO DE SÃO PAULO

 
Não entendo de arquitetura. Já choquei muita gente falando que acho Brasília horrorosa. Com todo respeito a Niemeyer, é o que penso, mas isso é o que menos interessa.
Se entendesse de arquitetura, pode ser que talvez conseguisse expressar com mais clareza o que me tem incomodado tanto ultimamente. Vivo na região da Consolação. Há pouco tempo fiquei surpreso com a demolição de um conjunto de casas na rua Matias Aires para a especulação imobiliária. Não eram casas especiais, mas estavam ali desde que mudei para a região, faz uns quinze anos. Gostava de vê-las. Até a pichação do muro fazia parte da minha história. Não estão mais e me deu uma certa tristeza vê-las sucumbir a golpes de marreta.
Mas esse sentimento egoísta é algo diferente do que senti ontem quando passei pela rua Bela Cintra. A casa abaixo ainda se pode encontrar hoje no Google Maps. Estava lá ainda semana passada. É a de número 755. Não havia pessoa que me visitasse, do interior de São Paulo ou do exterior, que não a admirasse pela beleza. Era valiosa arquitetonicamente falando? Não sei. Mas era bonita, como tantas outras que se encontram espremidas entre os caixotes arquitetônicos da região:


Hoje, ela se encontra assim:


Quando perguntei se ela se transformaria em um edifício de residência, um funcionário que mapeava o terreno me disse que ainda não sabiam. No mesmo local funcionava, até há pouco tempo, a 5ª Cia - 7º BPM e a Associação Paulista Viva. Estranhei que estivessem saído de lá recentemente, mas jamais pensei em ver essa cena que mais lembra os bombardeios aéreos da Segunda Guerra.
Deduzi que o mais urgente era a mera demolição da casa.
Deduzi que a casa ali era um transtorno para alguns.
Lamentei-me ao mesmo funcionário - que tinha a prancheta na mão e mal me olhava, de tão preocupado com suas medições e anotações - dizendo-lhe que era uma pena, pois a casa era muito bonita, ele me disse: "ah é? Não sei... não me lembro mais". Naquele momento, veio-me à cabeça o que escrevi no prefácio de meu livro de etimologia Por trás das palavras (São Paulo: Globo, 2004) sobre a demolição, em 1911, da antiga matriz colonial da Praça da Sé, de 1598. Como qualquer consulta à Wikipedia pode mostrar, a nova catedral só seria inaugurada quarenta anos depois. Era de fato necessário demolir a antiga para erigir a nova sobre ela? Que isso significa de fato? O desprezo pelo passado?
 
Na recente tragédia arquitetônica da Bela Cintra, a casa ao lado sofreu o mesmo destino. Antes:
 

Depois:


Como essa cena não foi a única que presenciei nos últimos dez anos, alerto os responsáveis pela mudança do cenário - com azeda ironia - que há outras casas igualmente bonitas na região que podem ser transformadas em pó (por exemplo, ali pertinho, há as casinhas de número 692 e 702 na própria Rua Bela Cintra e as de número 255, 257 e 267 na Fernando de Albuquerque, para não falar das da Haddock Lobo). Imagino que o sonho dessas pessoas (que eu, etimólogo, chamaria de ecoclastas)  seria passar o rolo compressor naquelas casinhas inúteis de Amsterdã. Já pensou que bonito fazer um condomínio na Casa de Rembrandt? Ou então botar abaixo a catedral de Milão? 
 
Para que apegar-se ao passado? Isso não é coisa de reacionário? De conservador? Paradoxalmente não me sinto nem uma coisa nem outra. Talvez porque veja uma falha nesse raciocínio maniqueísta.
 
Parece que o futuro neopositivista e sua maldita esperança de melhora, como se ela não dependesse de nossas decisões hoje, calaram fundo na mentalidade adotada na avaliação do que é importante de se preservar. Nesse cômputo ingênuo, obviamente, não deve ficar de fora o principal: o preço do metro quadrado da região, que é altíssimo.
 
Esse tipo de "futuro", que se pauta no mantra do "progresso" (palavra que está no lema positivista de nossa bandeira), visto como queriam alguns modernistas, parece que ainda está na veia dos que assinam a autorização de uma atitude como essa (que obviamente deve ser algo legal, embora, para mim, desculpem, é um massacre). Esse "futuro" basta para alavancar o discurso que justifica a destruição de algo do passado. Mas o modernismo também é coisa do passado. Desse discurso nasceu muita coisa ruim também. Por que não deixar intacto, então, o que é belo do passado?
 
Esse argumento, para alguns, é fraco: já não é mais possível distinguir o que é belo, agradável e aconchegante, pois até isso se tornou relativo. Obviamente há os que odeiam os contornos sinuosos das casas antigas, as árvores e os passarinhos. Todos têm direito etc. etc. Mas entre manter e destruir, percebo que prevalece o que destrói. Por que prevalecem? 
 
Aliás, quem deve responder sobre o impacto da destruição e o que ela gera não sou eu, mas talvez um psiquiatra, apoiado nos números crescentes de casos de depressão.
 
Quando todos os prédios forem iguais, todos os carros tiverem a mesma cor, todas as calças jeans também, todas as línguas se reduzirem a uma só, toda a diversidade de pensamento desaparecer, estaremos diante de algo bom? Isso não aniquilaria a nossa humanidade?
 
O futuro real nos dirá.