O ÓBVIO FINALMENTE REVELADO!!!

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Sou um saci sumério de Botucatu.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

UMA CAIXA QUE DESLIZA

Suponhamos que eu não me lembre de quase nada de meu passado e que subitamente passe a ouvir vozes e perceba que pessoas estão presas em caixas com rodas, que descem uma ladeira íngreme. Pouco tempo depois, verifico que eu também estou numa caixa similar e que um alto-falante me está ensinando coisas muito variadas, entre elas, instruções que aos poucos começam a fazer sentido para mim.
O aspecto dessa caixa deslizante é singular: as laterais são translúcidas, mas sua parte dianteira e traseira são completamente opacas, de modo que não consigo ver para onde vou e apenas me lembre daquilo que acaba de passar. Dentro dessa caixa, há diversos objetos que me mantêm saudável e distraído, bem como posso ver a paisagem que passa pelas laterais. Aprendo, aos poucos, que posso comunicar-me com as pessoas das outras caixas e, aos poucos, essa comunicação se restringe a algumas delas, não a quaisquer umas.
Também elas podem comunicar-se comigo, por meio de um fone que aprendemos a manejar. Por fim, encontro na caixa um painel. Posso ler lá muitas mensagens, algumas mais antigas que outras e diversas delas incompreensíveis. Posso deixar minha mensagem nesse painel também, de modo que alguém pode vir a ler ou não o que escrevi.
Tudo que faço alterna lucidez e delírio, de modo que, se quisesse, seria difícil distinguir o sono da vigília, a loucura do exercício pleno da razão. 



Aos poucos, seleciono as mensagens que me agradam, releio-as ou procuro similares. A voz que fala ininterruptamente pelo alto-falante, às vezes de modo incompreensível, me aconselha de tempos em tempos a ler algumas mensagens, mesmo que não me agradem tanto de início. Estando todas as caixas em movimento, vejo algumas explodirem quando entram em colisão com uma pedra (o caminho está cheio dessas perigosas pedras que as fazem desaparecer), outras explodem aparentemente sozinhas, outras se chocam entre si, causando destruição mútua.rio, de modo que, se quisesse, seria difícil distinguir às vezes o sonho da vigília, a loucura do exercício pleno da razão.
Além do alto-falante ininterrupto, do painel e do fone, há dois botões, sobre os quais aprendo que um deles faria minha caixa explodir e o outro, uma caixa alheia ir pelos ares. Muito já se falou sobre esses botões. Há ainda uma volante totalmente inútil, uma vez que não se pode visualizar para onde a caixa vai. Esse volante, todavia, pode fazer-me desviar de pedras imaginárias ou lançar-me sobre outras caixas.



Posso ligar-me com afeição, compaixão, medo ou respeito às pessoas das outras caixas ou ainda a outros seres e pessoas sobre cuja existência apenas li no painel ou ouvi pelo fone ou pelo alto-falante. Todas essas crenças me moldam, estabelece as minhas relações com as outras caixas e retardam minhas ações impulsivas.
O contato com o alto-falante, o painel e o fone fazem-me sentir igual ou diferente das demais pessoas e crer ou não na uniformidade e no bom-senso das minhas ações.
Além disso, posso imaginar a finitude ou a infinitude do trajeto descendente, conjecturar se as mensagens que faço são legíveis para todos, se posso ler, de fato, tudo que lá foi escrito ou mesmo se o que estou vendo e ouvindo é real. Essas imaginações podem impressionar-me ou não, fazendo-me feliz, triste ou indiferente, surpreso, desesperado, revoltado ou intrigado.
Posso imaginar como tudo isso começou ou como passei a perceber o alto-falante. Posso achar tudo isso interessante ou lamentável. Posso esquecer-me disso, distrair-me, apenas contemplar a paisagem ou refletir sobre minhas conclusões.
Independentemente da minha postura, posso fingir estar alegre, triste ou indiferente, de tal modo que nem mesmo eu posso às vezes distinguir qual é minha posição frente a essa situação.
Posso, sinceramente ou não, descrever esta minha situação de prisioneiro de maneira neutra, imaginar-me noutra caixa, querer influenciar as demais pessoas com minhas opiniões, obrigando-as a agir como quero; posso compartilhar, ou não, minhas impressões, certezas, prazeres, angústias, tentar explicar esses sentimentos ou mostrar que seria melhor ignorar tudo.



Posso ouvir opiniões alheias ou calar-me sobre elas. Por fim, posso tentar encontrar alguma coerência nelas, mudar a minha própria.
Isso tudo, como foi dito, pode ser expresso pelo fone a quem suponho que queira ouvir-me, pode ser gravado sob a forma de mensagem que suponho coletiva, enquanto a caixa segue sua marcha inexorável ladeira abaixo, rodeada de perigos.