O ÓBVIO FINALMENTE REVELADO!!!

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

SE MELHORAR, ESTRAGA

Final do ano é um ótimo momento para idealizar o futuro. Por essa razão, limpei minha mesa de escritório, entulhada de papéis desde março, e comprei nova agenda, na qual já escrevi tudo que pretendo fazer em 2018; mais da metade dos itens, porém, é cópia de 2015, 2016, 2017...

A insatisfação é aquilo que nos move a agir, senão, extáticos como girassóis, só seguiríamos a luz, sem nos desenraizar e sair pelo mundo - esse perigoso mundo - em busca de aventuras. O tédio fez o homem sair da sua condição de igualdade com a bicharada para, sem sossego, revirar o doce do mundo, tanto que o planeta está de ponta-cabeça, sem que tenhamos a menor esperança de que sossegaremos o facho antes do apocalipse.


Então, se o bem e o mal nascem da nossa insatisfação inata (a ponto de "quero" ser uma das nossas primeiras palavras, independente da língua que, ainda nascituros, dominaremos), como distingui-los? Tudo tem a ver com a nossa vontade, essa coisa ranheta que coça mais do que micuim. Podemos pensar que o mal nasce de nossos complexos? Se estamos sempre querendo (e às vezes queremos o impossível, o que dá azo às nossas invejas e ódios irracionais), concluiremos que o mal nasce de uma espécie de reconhecimento de que somos menos do que aquilo ou aqueles que admiramos? São nossos modelos a causa de nossos complexos e, portanto, das nossas atitudes más e, por fim, de todo o Mal que há na Terra? Não deveria ser o contrário? Sim, se fôssemos extáticos como girassóis sem pernas.

A verdade é que posso ser a pessoa mais feliz do país mais justo do planeta mais perfeito do Universo e, mesmo assim, serei infeliz e verei injustiça à minha volta. O melhor dos mundos não é aqui, ó Leibniz, mas está na cabeça de Platão, aquela que pensas emular. A teodiceia é uma panaceia cujo efeito psicotrópico é não nos fazer enxergar o óbvio. Essa panaceia, vinda de alguma glândula mesencefálica qualquer, talvez seja tradutível em termos abstratos como "satisfação". Há em nós algum déficit da produção glandular de satisfação, definitivamente. I can´t get no satisfaction.


Mas, volta e meia, essa satisfação, filha do tédio, abre uma cauda de pavão, talvez para exibir-se à maioria insatisfeita, pois, obviamente, uma pessoa satisfeita é um insatisfeito adiado. A expressão mais adequada para esse momento ínfimo de nossas vidas, chamado satisfação, é "se melhorar, estraga". Quanta sabedoria há nela, a qual, ao mesmo tempo, afirma nada ser bom, exceto agora, e prevê que logo não será mais. E, contrários à qualquer lógica que dite "algo que se acrescenta ao bom torna-o ainda melhor", os que proferirem proverbial e profeticamente a verdade dessa expressão concordarão involuntariamente com os gramáticos quando dizem que "mais melhor" é uma das piores construções possíveis.

Como assim uma coisa boa não poderia melhorar, senão estragaria? Será que quem diz isso nos incita à resignação, à falta de empenho e à aventura? Medroso, após levar tantas chapuletadas da vida, resolveu sentar-se na sua alcatifa, em posição de lótus, e resignar-se, buscando com toda ansiedade do mundo a falta de desejo. Quanto estresse!

Enfim, a quem se diz satisfeito tacha-se como conservador, porque quer deixar tudo igualzinho, para ter paz ao vender suas bugigangas. Quem tem interesse na conservação defende a harmonia entre os opostos, senão seus lucros não aumentarão. O insatisfeito, no auge de seus hormônios juvenis, quer queimar tudo, quer mudar o status quo, quer questionar, quer aprimorar: almeja atormentar os ceguetas, isto é, aqueles que não veem tudo como uma grandissíssima droga. Verdade seja dita: todos querem algo. Mesmo quem não quer mudar nada, dizendo-se satisfeito e achando que nada melhorará, pois tudo já está pra lá de bom, tem uma enorme ansiedade fóbica ao imaginar o chão abrindo-se sob seus pés e vê-se devorado por aquilo que não consegue controlar. 

Entra em cena voando alguma autoridade, de capa às costas, triscando no ar: uns evocaram Epicuro, outros evocaram Engels. Tanto faz quem é esse super-herói. Uns querem fechar os olhos, outros não conseguem adormecer e enlouquecem. Se epicuristas são adeptos do "se melhorar, estraga", um engeliano apostará no aforismo gêmeo e antagônico "pior que está, não fica". Calma, gente, que são autoridades senão atalhos que preguiçosamente tomamos para chegar a um veredito com o qual podemos dizer com toda cara de pau: "dane-se a realidade"?

A realidade é essa coisa confusa, agitada, em eterno fluxo heraclitiano, algo que não dá, simplesmente não dá para entender. Tem gente que a simplifica para deitar em berço esplêndido. Tem gente que só quer misturar o angu para ver se a transforma em algo minimamente uniforme. Todo mundo, porém, quer um rosto para o futuro. Um amanhã sem uma visagem é algo inadmissível. Mesmo quem busca a transcendência não suporta que o mundo à sua volta seja pura imanência sucumbente numa voragem.


E não falo só do mundo com seus efeitos estufa, poluições, permafrosts derretendocataclismas da diversidade do tipo "Folhelo Burgess" e tudo o mais que já conhecemos desde as extinções do Cambriano-Ordoviciano, do Ordoviciano-Siluriano, do Permiano-Triássica. Falo de gente. 

Era uma vez pessoas medidas pela sua virtude e coragem; passado muito tempo, na Idade Média, valia-se da alma para essa medição. Já no tempo dos românticos, o mensurável era a personalidade. Nós hoje, seres desse monstrengo da globalização, medimos os outros pelo "profile". Num perfil, como numa caricatura, não não importa o eu ou suas atitudes: detalhe inútil saber quem está lá! Hoje basta a intersecção das essências individuais. Já não há almas, só perfis. Ora, isso é revoltantemente redutor. Como não querer melhorar antes que os perfis completem seu trajeto e tornem-se silhuetas? Como dizer que não haverá estrago se, conscientes disso, não tentarmos melhorar nossa auto-estima, voltanto a ser seres completos, ex-perfis, de preferência bons, belos e justos. O ex-perfil é muito mais do que um Rousseau desejou para a humanidade com sua pretendida reeducação estapafúrdia, isto é, com a sublimação destrutiva do compositor fracassado que jaz nas suas entrelinhas. Vemo-nos de espada em riste, de novo, contra quem expressa o que está em epígrafe. Vemo-nos de novo hominídeos, saindo do berço africano para dominar os demais continentes, não com pequenos batalhões e armas poderosas, mas com batalhões enormes e com ideias na cabeça. Esses hominídeos foram os primeiros beatniks.

Mas o mais difícil de aparecer, de fato, é uma ideia nova, que mude tudo para melhor. E quando aparece, ninguém dá bola: o autor da ideia é desconhecido e acaba diluído, usurpado por um bonitão que faz uso da pena (melhor dizendo: do teclado), do poder ou do megafone, o qual a deformará monstruosamente. Ideias novas, aliás, atingem nosso planeta com a mesma frequência de asteroides. Nihil novi sub sole.

Assim sendo, melhorar é quase impossível; piorar, por outro lado, é facílimo, o que me faz concluir que, se melhorássemos, não estragaríamos nada. O paradoxo da expressão é o seu sucesso. Deixemo-la, portanto, em paz. Ela é bela por ser sintética. Dissecá-la numa análise cuidadosa faz-nos, contudo, ver a sua real beleza, escondida na mente do seu anônimo autor e na dos anônimos que burilaram a sua elocução... e a alteraram.

Feliz 2018!