O ÓBVIO FINALMENTE REVELADO!!!

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Sou um saci sumério de Botucatu.

sexta-feira, 28 de março de 2014

A INFINITUDE DA NÃO-CHUPETA

Há palavras cujo sentido parece fácil de captar. Por exemplo, facilmente compreendemos o que é alto a partir do que é baixo. Da mesma forma, sabemos o que é algo limitado, por isso concluímos que deva ser igualmente fácil entender o seu oposto Mas não é bem assim.
 
O cérebro humano tem um mecanismo curioso (que alguém pode achar muito lindo, mas eu tenho certeza que é um bug). Esse mecanismo se chama negação e, com certeza, é fruto da nossa evolução ou de alguma mutação bizarra. Seja como for, acabou favorecendo o homem a ser o que ele é.

Não há nenhuma língua do mundo que não tenha a negação. Todos os povos negam, negaram e negarão. É aquilo que se chama de "universal linguístico". Isso nos faz crer que não aprendemos a negação, mas que ela sempre esteve em nós, desde que o espermatozoide de nosso pai fecundou o óvulo de nossa mãe.

O bebezinho chora, aponta: ainda não sabe falar. Mas se lhe dermos a chupeta, afasta com a mão ou aprende a fazer "não" com a cabeça. O objeto desejado é o enigma que esse mini-Homo sapiens, qual uma esfinge, oferece à sua desesperada mãe que o quer mimar a todo custo. Pense bem nessa cena prosaica. Não é verdade que ele não saiba o que quer. Pelo contrário: ele sabe o que não quer. E aquilo que quer (e para o qual aprende cedo a apontar com o dedo), tem algo de não-chupetitude.


Passa-se um pequeno intervalo de tempo e logo o veremos falando. Se lhe pergunto: você quer a bola?, não precisará mais chorar, pois poderá responder "não". De onde veio o não das nossas expressões linguísticas e paralinguísticas? Mistério. O pequeno falante sabe que o que quer pertence ao conjunto das não-bolas e pode esclarecer-nos o mistério de seu desejo por meio de outra palavra que tenha algo de não-bolidade. No caso, trata-se a câmera fotográfica do pai, obviamente negada, o que desperta, ato contínuo, outro berreiro dos diabos.

O primatinha voluntarioso e irrequieto não sossegará nunca. Tornar-se-á um primatão ousado e beligerante: lutará por aquilo que quer e é de seu direito. Mais tarde será um velho primata que deseja o que não tem mais, pois ficou no passado. Qualquer ser humano está sempre insatisfeito desde que saiu do líquido uterino até o último contato com a realidade por meio dos sentidos.
 
Essa insatisfação humana é algo que o tortura. Ela faz que só gere problemas e faça besteiras para sua própria vida e para a dos outros. Interfere em tudo, quase sempre de modo devastador. Dificilmente não chamaria a atenção de um alienígena que estudasse nossa etologia. Obviamente, outros animais também interferem no meio-ambiente, na extinção de outras espécies e na confusão geral (as plantas também fazem isso, afinal, viver é, por definição, interferir na vida de outra espécie ou na de outros indivíduos da sua própria espécie). Mesmo assim, é difícil dizer que o homem seja um bicho normal: seu comportamento, visto no conjunto, parece mais o de uma praga resistente, de uma barata, de uma formiga e de todas aquelas bactérias que têm imenso sucesso evolutivo. Mas a onipotência humana é ilusória: pequenas mudanças climáticas ou algum asteroidezinho daria cabo facilmente de suas pretensões de ficar com a Terra só para si e participar de alguma rave no dia em que o nosso sol se transformar numa supernova.

Para mim, é incrível que ainda haja tantas pessoas que se incomodem com essa visão realista dos fatos. Por séculos, fala-se que há no homem uma alma e que é um ser especial, expulso ou não do Paraíso. Tudo que cria busca mimar ainda mais o homem. Os renascentistas, por exemplo, bajularam-no de modo quase enjoativo. Mas deixo essa conversa para outra oportunidade: voltemos à questão da negação.

Como dizia, o ilimitado é, segundo alguns, fácil de entender: o Universo é ilimitado, Deus é ilimitado, os números são ilimitados e alguns otimistas concluem que a capacidade cognitiva do homem também seja ilimitada... e por aí vai. Como disse, parece que, sabendo o que é limitado, por meio da estranha ferramenta de raciocínio chamada "negação", chegamos com muita facilidade ao conceito de ilimitado. Mas não é bem assim. Não temos a menor ideia do que é o ilimitado. Aliás, como já dissemos, a negação não é uma ferramenta de raciocínio adquirida por meio de esforço, conquistas científicas ou tecnológicas, mas antes é um mecanismo inato. O bebezinho nasce com ela, da mesma forma que os animais fazem coisas extraordinárias, movidos por impulsos instintivos admiráveis. A negação está no nosso código genético, em alguma circunvolução cerebral, na química e na física, predeterminadas e esculpidas pela evolução. De qualquer forma, custa-nos a entender isso: tudo que é limitado parece ter um contraposto ilimitado, tudo que é concreto e fácil de atingir teria uma contraparte imaterial e inatingível etc. Sem essa brincadeira verbal, o conceito de ilimitado não nasceria. Paradoxalmente, pensando assim, o ilimitado acaba sendo uma radicalização do limitado, pois foi motivado pela consciência (por vezes escondida e encabulada) de que nós somos extremamente limitados.
 
E como somos! Não temos olhos de águia, mas nos consolamos dizendo que os nossos não são tão ruinzinhos como os de alguns outros animais. Entretanto, mesmo com nossos olhos supostamente potentes ou potencializados por lentes e cirurgias, só vemos um pequeno círculo à nossa frente. Não vemos sequer a aranha que se pendura no teto prestes a cair na nossa cabeça, nem o assassino que se aproxima de mansinho com uma faca atrás de nós. Só vemos um pouco do que está na nossa frente, se houver luz suficiente e se o dia estiver bem claro, isto é, se nada estiver entre nós e o que queremos enxergar ou se não estiver longe demais. Caramba, é ou não é uma limitação dos diabos?
 
Gabamo-nos de nossa simpática empatia, que nos faz ser homens integrais, caridosos e altruístas. Tudo bem, vemos e tentamos entender o outro, mas sequer podemos entrar no seu raciocínio. Só um ser onisciente poderia e queremos ser como esse ser ideal. Armamo-nos de tanto conhecimento que até andamos ultimamente empanturrados de tanta informação. Mesmo assim, continuamos não conseguindo entrar no pensamento do nosso mais próximo. Armamo-nos, para tal, somente de indícios: das suas palavras, das suas entonações, dos seus gestos e do seu comportamento para deduzir o que está na sua cachola. E já nos damos por satisfeitos, convencidíssimos de que somos sabidos. Mesmo assim, há, para nosso espanto, todos os dias, notícias de amigos que rompem com a amizade, notícias de mães que matam filhos, notícias de pessoas que se suicidam e outras coisas assombrosas que, quando próximas de nós, nos marcam perenemente.
 
Então: pergunto, o ilimitado seria mais um desejo do que uma realidade? Queremos ser oniscientes e onipresentes, mas não somos. Essa triste condição faz imaginar que haja algo ou alguém que seja. Mas e se não houver? Que diferença faz? Continuaríamos limitados.

Sim, limitados, mas apenas nesta vida - diria alguém que me lê, alertando-me - mas, querido leitor, novamente: que garantias há de que alguma outra vida exista senão esta? Experiências de pós-morte e visões são válidas? Ou são, novamente, apenas indícios de outras coisas e, ademais, como já dissemos, indícios não são fatos: o fato de alguém parecer triste não é prova de que de fato está. E mesmo se estiver, nem a nossa certeza de sua tristeza poderia consertar a causa de se sentir assim, que está em algum momento passado. Será por isso que o mundo perfeito está sempre, segundo tantos, num tempo futuro, à nossa espera? Ou, de novo, não seria só nossa vontade pregando-nos uma peça, sem fundamento algum no real? Outra chupeta que queremos?

O Universo é imensíssimo e provavelmente infinito, portanto, aquilo que é infinito é ilimitado. Saber disso não basta para entendermos a distância entre algo mensurável e algo imensurável? Sim, pode ser, mas de que universo estou falando? Daquele observável por alguém que tenha as dimensões de um homem ou de um titã do tamanho de Galactus, personagem da Marvel? Esse universo é ilimitado para mim, que tenho 1,70m, ou para um ser que teria o tamanho do universo? E que tamanho é esse?


Nada melhor que analogias para entender o absurdo em que me metemos meditando sobre isso. Um vírus não pensa obviamente. E abaixo dele não há vida. Lá estão apenas as moléculas, os átomos e as partículas subatômicas. Ele próprio não é vivo. Um vírus, se fosse beneficiado com uma consciência, presenteada por um deus misterioso ou por um milagre semelhante àquela pedra negra de 2001: a Space Odyssey, não teria condição talvez de saber muita coisa.

Alguns vírus medem 20 nanômetros enquanto as menores bactérias medem meio micrômetro. Se o mesmo vírus medisse 2 metros (o tamanho de um ser humano altinho), a referida bactéria mediria respectivamente 50 metros, nada menos que a proporção entre o homem e uma baleia-azul. Tudo bem, esse vírus sabidão conheceria uma bactéria, mas vejamos o que mais. Se ambos tivessem sido beneficiados pela consciência distribuída pelo misterioso deus benevolente, as bactérias não seriam particularmente atraídas pelos vírus, da mesma forma que uma baleia-azul ignora a presença de um humano, mas os vírus se encantariam com o tamanho das bactérias.

Entra uma pulga na história. Nessa proporção, o inseto teria 75 quilômetros de tamanho. As bactérias precisariam de telescópios para saber da existência das pulgas e os vírus inicialmente as colocariam no terreno das hipóteses e teria meios de confirmar sua existência. Um homem de 1,70m, nessa escala, teria 1,7 milhões de km. Se a existência de uma pulga ainda pudesse ser reconhecida pelos senhores cientistas vírus e bactéria, um homem seria algo próximo do inimaginável.  



Mas isso não é nada perante o universo que conhecemos. Imagine a dificuldade do homem de lidar com as galáxias, que - agora fora dessa escala doida que inventamos -  têm, no mínimo, 30 quadrilhões de quilômetros num universo, cujo tamanho conhecido é de uns 45 bilhões de trilhões de quilômetros (ou algo parecido). Ou seja, de nada adiantaria que vírus, bactérias ou pulgas tivessem consciência, raciocínio ou tecnologia, pois seriam tão impotentes com relação ao universo quanto nós mesmos, humanos, somos. Também desconheceriam o ilimitado.

Cada ser vivo está eternamente encerrado dentro da escala em que existe, dentro das suas ignorâncias, das quais não conseguiria sair a não ser por meio de mecanismos de imaginação, como a poderosa ferramenta da negação a que nos referimos acima. Negar, imaginando um oposto tão tangível quanto as coisas que percebemos, é apenas uma loucura simplista.

Portanto, esses polos, arquitetados por meio de uma ficção, formam uma simplificação tosca da complexidade que envolve o que é difícil de ser observado, dadas as nossas limitações. Não geram conhecimento, contudo. Caso contrário, já nasceríamos bem sabidinhos, pois, como já disse, a polarização entre a coisa e sua negação é atávica, genética, evolutiva, característica da espécie, muito possivelmente uma mutação, um defeitinho nosso que chamamos imodestamente de raciocínio magnífico.

Estamos de novo perante a chupeta. Hoje vivemos em plena era do conhecimento, uma espécie de déjà-vu do Renascimento quinhentista: a internet é a imprensa do século XX. Sonhamos que um dia seremos oniscientes. Queríamos isso faz muito tempo... parece-me que desde o Éden com sua frutinha (que dizem as más línguas, era uma maçã Fuji). Mas será que quando tudo estiver finalmente ao alcance de nossas mãos, não nos emocionaremos mais por conquista alguma? Uma mãe telepata daria a chupeta na hora certa, a câmera fotográfica do pai, a boneca da irmã para o bebezinho destruir. O bebê ficaria contente. Para que precisaria aprender a falar? Todavia falaria, pois o gene tagarela já estava prestes a ser acionado, por pura inércia. Mas falaria o quê? Certamente nada de interessante a não ser para si mesmo.

Quem é consciente do apocalíptico mundo que nos espera, caracterizado recentemente, de forma magnífica, pelo filme Her, do genial Spike Jonze, por vezes consegue boicotar o tentador atalho asfaltado até o Paraíso, forçando-se a trilhar, por livre e espontânea vontade, um caminho pedregoso, bem mais longo. Isso não nos cura da insatisfação,  mas, talvez, sei lá, seja uma proposta de vida e uma solução.