Após refletirmos muito, chegamos sempre a uma espécie de iluminação, que nada mais é que o doloroso óbvio. Mas sempre me intrigou muito por que algumas obviedades não são unânimes. E buscando a resposta para isso no passado, vejo a gênese de muitos vícios de raciocínio já na Antiguidade. E como esses vícios se encontram em culturas diferentes, dificilmente associadas por algum elo criado por algum contato, não consigo deixar de imaginar que algumas dessas obviedades sejam naturais. O difícil sempre foi e será ver-nos como objeto de contemplação e dizer: voilà, isto é natural e isto é cultural. Aliás, esse assunto dá pano para a manga e penso que posso falar disso depois.
No momento me intriga a convicção em si. Quando me convenço de algo não posso afirmar que aquilo seja óbvio para todos, mas que aquilo é óbvio para mim. E por que não é óbvio para todos, se o é para mim? Aqui está o mistério do provérbio "cada cabeça uma sentença". Ao mesmo tempo, os discursos relativistas e os céticos são irritantes. Parece que se seguirmos tanto Protágoras quanto Diógenes estaremos diante do nada, do absurdo que incomoda a vida, que precisa ser vivida a despeito de nossas convicções. Contudo, esses dois parecem que mais convergem no seu pensamento do que se opõem.
Como disse, temos uma vida e precisamos vivê-la. Isso é óbvio. Perante essa obviedade, Protágoras parece dizer-nos: por que a vivermos cheios de convicção? No mesmo acorde também nos indaga Diógenes de dentro de seu barril: por que não a vivermos sem convicção alguma? Tanto Protágoras quanto Diógenes tinham suas convicções e desprezavam as dos outros, que não tinham chegado a tal iluminação. Contudo, Diógenes a punha na prática, diz a lenda, ao passo que Protágoras ganhava a vida convencendo os outros de que sua convicção estava certa. Diógenes se incluía em tudo que afirmava, Protágoras não. Saber se Protágoras fazia isso conscientemente ou não é pedir demais dos fragmentos e dos testemunhos de sua prática. Diógenes dá-nos hoje a impressão de um louco; Protágoras, o de um hipócrita, mas talvez estejamos sendo duros demais com ambos. Se Protágoras não era tão louco quanto Diógenes, com certeza também era alguém embriagado por sua convicção. Quantos não conhecemos assim?
Cumpre ainda prestar atenção no fato de que ambos os supostos antagonistas que descrevemos não eram contemporâneos e não poderiam nunca ter dialogado entre si. Protágoras é da geração de Empédocles, um pouco mais jovem que Parmênides, Anaxágoras e Zenão. Bem mais jovem que Heráclito. Protágoras tinha quase a mesma idade de Leucipo, a meu ver, seu maior antagonista, mas não de Demócrito. Também era mais velho que Sócrates. Platão mal tinha nascido quando Protágoras se foi. Por outro lado, entre a morte de Protágoras e o nascimento de Diógenes temos quase meio século, época em que floresceria o jovem Aristóteles.
Pois bem, já relatei outro dia que o que me impressiona em Parmênides é que, para ele, o pensamento também é um ser. Isso quer dizer que não só o vento, as pedras e as estrelas-do-mar são seres, nem que não só os elementos materiais e imateriais o são, mas que o modo como a nossa mente concebe essas coisas também o é. E isso explica sua convicção de que o não-ser não exista. Ora, não poderia existir mesmo, pensando desse modo, pois se pensamos no não-ser estaríamos, segundo seu modo de entender, criando um novo ser (ou seja, o pensamento) e o impensável não é algo sobre o qual não consigamos pensar. As aporias de Zenão, seu discípulo, são mais facilmente compreensíveis quando entendidas em uníssono com Parmênides. Se o pensamento é um ser, Aquiles nunca alcançará a tartaruga e ponto final.
Reflexões similares devem ter impressionado Protágoras. Se o pensamento é um ser e o pensamento é tão diverso entre os homens, é impossível encontrarmos a verdade. Não haveria assim nem o bem nem o mal. Não há, raciocinando desse modo, nem verdadeiro nem falso. Enfim: Protágoras achou um jeito de viver a vida sendo sofista e deixar de lado uma convicção final, como tiveram os filósofos anteriores. Não é à toa que Protágoras afirma que as opiniões devem ser medidas pela utilidade: afinal, se não existe a verdade, tampouco existe a sabedoria e aquilo que para o saudável parece doce, para o doente parece amargo. O que os distinguiria é o fígado de cada um. Mas qual é o melhor fígado, se cada pessoa é um sistema independente a ponto de gerar pensamentos independentes? O fígado ideal não poderia estar nesse mundo, obviamente, como raciocinou Platão mais tarde. Nascem então todas as obsessões do Ocidente e, com ele, o Cristianismo, fruto direto das reflexões gregas.
Mas, fazendo essa digressão, estamos novamente nos esquecendo de Diógenes: sem ele, o Cristianismo não teria esse ar cavernoso e tétrico que assumiu no início e que tanto assustava os romanos, impressionados com a nova religião que comia seu próprio Deus durante os cultos. Se Protágoras descobriu que a verdade não existe (e viveu bem, apesar disso, dando aulas sobre isso até ser expulso de Atenas), a voz de Diógenes se parecia mais com uma incômoda vuvuzela.
Ideias filosóficas originais já vinham há muito do oriente, primeiramente jônico, com incríveis similaridades com reflexões de terras longínquas (como se entrevê lendo Laozi e Heráclito ou então, comparando as conclusões de Sidarta Gautama e do próprio Parmênides). Não se pode esquecer também do monismo crotonense, de substrato semelhante às ideias religiosas egípcio-hebraicas, visível desde os pitagóricos e escancarado por Xenófanes ou Platão (e tardiamente por Plotino, espécie de Kant neoplatônico). Essas ideias, combinadas e recombinadas, atingiam como um furacão o materialismo jônico que só sobreviverá em poucos, como Demócrito ou Aristóteles. Tentativas de síntese são poucas, mas se vê em Anaxágoras. Enfim, ler Descartes, quase dois milênios depois, lutando contra suas convicções provenientes quer de um génie malin terrível, quer da obviedade do real, nos faz entender que esse embate é antigo e que deveríamos refletir nele.
No entanto, esses embates salutares foram cedo abortados pela hipocrisia relativista, que sobreviveu à margem de Platão e de Aristóteles e ressuscitou sobretudo por causa do barril de Diógenes. O modelo dos grandes impérios orientais havia chegado ao Ocidente. De nada serviu o heroísmo de Leônidas no desfiladeiro das Termópilas, pois a alma grega já estava vendida. Era tarde demais. O pensamento persa, que remoera e simplificara o panteão alucinante das divindades indianas, vinha agora, fatal e desejado pelos gregos, na forma do maniqueísmo mais tosco e simplista. Os próprios hebreus preferiram Ciro e Dario a Nabucodonosor. O insidioso pensamento persa não era escrito, mas vazou pelos diálogos (como há muito já se fazia entre Oriente e Ocidente por meio de mercadores poliglotas e dos mercenários). O fim da pólis e o surgimento do império macedônio, que engoliu o império persa, serviu de modelo para os romanos, famosos caipiras da Itália que se assenhorearam do mundo. A primeira globalização estava em curso. O nascimento da Europa já dava os seus primeiros alvores e, daí, a conquista do mundo por ambiciosos que se diziam cristãos ou muçulmanos.
Pois bem, no meio dessas engrenagens que, aparentemente, poderiam ter sido paradas a qualquer momento por um acaso qualquer (se tivessem sido, gosto de pensar que hoje teríamos impérios astecas dando trabalho para a ONU), há figuras emblemáticas: vários jesuses e vários diógenes.
A noção de que existe uma Humanidade para além do tribalismo etnocêntrico e que o próximo deve ser respeitado na sua integralidade, a despeito das suas diferenças não é uma questão religiosa, mas propriamente filosófica e política, advinda da necessidade de convivência desse novo mundo que unia gregos e bárbaros. É um pensamento fácil, pois o contrário é sempre o convite à guerra e, portanto, indesejado. Como diz Camus "pestes et guerres trouvent les gens toujours aussi dépourvus". O império macedônio criou também a ideia do ser humano desprotegido e submisso, bem diferente daquela ágora fremente e arrogante que condenava ao degredo ou à cicuta. O modelo oriental de império, finalmente trazido por Alexandre, fez o civilizado sentir-se bárbaro, pois passou a ver o bárbaro como um irmão em nada pior, como faziam preconceituosamente até o tempo de Aristóteles. Por isso, os mercenários gregos admiravam as táticas de guerra persas e os romanos admiravam os gregos pela sua cultura. Cada vez mais viu-se o lado positivo do irmão bárbaro. A noção de amor ao próximo só é uma pequena decorrência, que deveria ser devidamente formalizada mais tarde, assim como fazem os manuais de auto-ajuda. Trezentos anos antes de Cristo, Epicuro aceitava nobres e não-nobres, livres e escravos, homens e mulheres em seu jardim. É devido ao Helenismo nascente e não ao Cristianismo que devemos a primeira ideia ocidental de que é preciso haver tolerância entre os homens. Quando Jesus pregou, isso já era consabido e divulgado como conhecimento geral da população, se não da região onde nasceu, de todo o entorno.
Também o batismo de João não era novidade. O centro do antigo poder político, antes traduzido como decisões próximas, como se via na atuação da Ágora ou de algum tirano. Agora, encontrava-se longe do cidadão, particularmente impotente às decisões da nova figura do imperador. Frustrado e deprimido, o cidadão, amarrado pelas novas leis sociais, pensava no renascimento de uma nova vida, mas não num renascimento pitagórico-platônico qualquer por meio da metempsicose, mas num renascimento maravilhoso, num mundo melhor e utópico. O renascimento da alma nesse mundo perfeito (e não mais no mesmo mundo defeituoso de onde proviera) era a única resposta possível ao desespero existencial da época. Mesmo não nascendo como escravos, todos eram subordinados ao poder invisível do império e não mais a um chefete democraticamente eleito ou a um tirano escolhido por consenso dos mais poderosos de sua cidade. A distância longínqua do líder fazia todos sentirem-se órfãos. O consolo do batismo que marcava essa nova vida nascera, portanto, como prática religiosa, seja por revigorantes e solenes banhos, seja por sangrentas práticas taurobólicas.
Esse contexto, no entanto, permaneceu plural até os exageros políticos de Santo Ambrósio. E a salutar divergência de opiniões, que ainda sobrevivia entre gregos e persas, sempre me faz pensar involuntariamente numa cena de filme bem ruim, Conan the Barbarian, que vi com meu primo no seu lançamento em 1982. Gostaria de rever a cena, a qual imagino existir de fato nesse filme, se não é mais uma pegadinha da minha memória. Schwarzenegger, bem fortão, limpando sua espada estava sentado com um peregrino (que não me lembro quem é) filosofando sobre religião. Alguém dizia acreditar nisso ou naquilo, mas aquele que ganha a discussão aponta o céu como sendo o maior dos deuses. E o céu da cena era imenso na tela do cinema, algo que realmente derrubaria qualquer argumento.
Pois bem, como vimos, esses discursos circulavam na época de Diógenes: o de que os seres humanos são iguais e o de que é possível renascer para uma outra vida melhor do que a porcaria em que vivemos. Mas faltava algo: o desprezo pelo conhecimento e o fanatismo, que acabaria com todo o blablablá grego. O grande marco do cristianismo foi opor-se à razão. Se não de forma acintosa e violenta, como fazia Taciano, Minúcio e Tertuliano, ao menos de forma equilibrada, como vemos num Santo Agostinho. De qualquer forma, todos os religiosos acreditariam que a fé é superior à razão senão não seriam religiosos. Mas para chegar a esse ponto, é preciso desqualificar a razão, tão procurada pelos gregos com ou sem lanterna. Por sorte, os filósofos realmente grandes nunca se convenceram totalmente da necessidade do aniquilamento da razão: Orígenes, Anselmo, Tomás, Descartes e mesmo Guilherme de Ockham entendiam a razão como um modo de chegar às verdades, uma vez que a ignorância e a intolerância ao racionalismo sempre lhes pareceram odiosas.
Mas como fazer isso? Desde a época de Fílon não era fácil o equilíbrio entre razão e fé nos livros bíblicos, que é um amontoado heterogêneo de textos escritos em línguas diferentes, em épocas diferentes e por autores diferentes. Poucos conseguiam defender a importância da dúvida, como Abelardo, pois era claro que ela provinha de Satanás, essa figura persa e tardia que mal aparece no Velho Testamento. Quando vejo um Roger Bacon afirmando que a verdade é filha do tempo, sinto que a dúvida e o ateísmo eram uma tentação sempre frequente no atormentado mundo medieval. Ainda mais atormentado quando os livros aristotélicos passaram da mão dos árabes para os sempre atrasados europeus que finalmente conseguiram lê-lo por meio de traduções em latim.
Pois bem, Diógenes não poderia ser cristão, por causa da época em que nasceu, mas dizia coisas parecidas com os futuros cristãos, por exemplo, que somente por meio de exemplos e de ações se chega à felicidade. Dava a entender também que devemos focar nossa individualidade (não como pensariam os cristãos, isto é, para salvarmos egoistamente nossa alma, mas para tornarmo-nos independentes dos outros). Seu modelo era o de Hércules. Diógenes escancarava seu total desprezo pelos prazeres, não porque os prazeres mundanos se opõem aos espirituais, pois essa distinção não existia ainda, mas falava apenas dos únicos prazeres que um ser humano pode experimentar enquanto vive, fazendo coro, nesse ponto, com os ascetas budistas e com São Francisco. Recusando a vida comum e coletiva, apontou-nos a redenção para uma filosofia pessoal, numa afronta total às regras sociais, atitude, aliás, de que também eram acusados os primeiros cristãos no tempo de Ambrósio. Sua parresía era na verdade uma chave para a liberdade e o prazer era visto como um obstáculo. Aceitando sua apatia, criava-se a singular situação de vermos o óbvio mas sermos indiferente a ele. Eis aqui o que mais liga a filosofia cínica (da qual Diógenes é porta-voz) das atitudes futuras (estoica, cética ou cristã). É impossível ler Marco Aurélio e não pensar num intercâmbio de ideias circulando oralmente, como na cena do anacroniquíssimo filme Conan.
Para esse mundo de poderes, de violências e de apatia ao óbvio, Aristóteles, contemporâneo de Diógenes, não era particularmente sensível. A maioria dos pensamentos aristotélicos permaneceram letra morta, até seu ressurgimento incômodo na Idade Média, tendo sobrevivido paralelamente entre os árabes.
Assim sendo, parece que há, no pensamento ocidental, dois tipos de convicção bem diferentes.
Assim sendo, parece que há, no pensamento ocidental, dois tipos de convicção bem diferentes.
Um primeiro tipo de convicção se vincula ao óbvio e ao racional (não necessariamente ao positivista), algo que paradoxalmente pode ser refutado pela própria razão (como quer Popper), mas que é obtido mediante perspicazes soluções controladas, as quais são tão esporádicas, que quase sempre são chamadas de geniais. Esse tipo de convicção, por vezes é provisoriamente destruída pelas ilusões provocadas pela limitação de nossos sentidos, no entanto, sai fortalecida, afinal, mediante os próprios sentidos e pela cognição humana, que nos fornece dados contraditórios sobre a matéria. Só na Inglaterra regicida, com Francis Bacon e com a salutar discussão iniciada por Locke e terminada com Hume, o europeu retomou lentamente o gosto por esse tipo de pensamento que já estava presente nos jônicos desde Tales. Podemos, antes dos ingleses, citar raros precursores admiráveis como Ramón Llull. Essa convicção nos fez compreender os saltos qualitativos na organização e na hierarquização dos princípios. Ainda que, por vezes, se diziam em franca oposição a Aristóteles, sempre estevem mais próximos do estagirita do que imaginaram.
O segundo tipo de convicção está no desprezo do óbvio. A ele se vinculam o pitagorismo, o platonismo (e não necessariamente o socratismo), o cristianismo, muitos renascentistas, Pascal e Spinoza. Mais natural, pois independente da razão policiada, converte-se rapidamente em obsessão pessoal ou social. Mais emocional, alia-se facilmente ao sentimento de desamparo humano frente a magnitude esmagadora do universo e à transitoriedade da vida, como em Rousseau. Como a raposa diante das uvas, diante desse espetáculo grandiosíssimo da vida que nos minimiza, voltamo-nos contra esse universo, negando-lhe poder e autocoroando-nos (assim como hoje fazem tantos nervosinhos munidos de arrogância intelectual, vaidosa e vazia diante da impotência colossal que nos oferecem as infinitas informações da internet). Recusando a própria vida, hierarquizam-se os fatos concretos não mais mediante o raciocínio, mas de maneira utilitária e muitas vezes tradicional, mas nada mais é, a meu ver, que a via mais fácil para as nossas certezas. Por muitíssimas vezes, essa atitude pareceu uma saída "racional" à questão das ilusões provocadas pela limitação de nossos sentidos. Mais surpreendente é vê-la exposta engenhosamente em filosofias reacionárias (ou convenientes) de personagens extremamente inteligentes como Berkeley, Leibniz, Hegel, para não falarmos de quase todos os filósofos modernos.
Associada a algum tipo de poder fanático ou a um excepcionalismo dedutivo, a verdade demagoga do segundo tipo de convicção torna-se por vezes uma arma mais perigosa do que o escancaramento das estranhas verdades obtidas por meio do primeiro tipo. Para mascarar esse poder terrível que detém em suas mãos, o segundo tipo vale-se muitas vezes do discurso renascentista da inquestionável superioridade humana e da manipulação emocional das consequências da desobediência à ordenação primitiva, que se não é abertamente divina, tem algo dela. Psicoanalisados de perto, revelam-se, no fundos, profundos medos nascidos no período infantil, os quais sobrevivem até o último suspiro.
Combinemos, meu amigo, que, como eu, se incomoda com o ceticismo radical: da próxima vez que dissermos que temos certeza de algo, perguntemo-nos de qual desses dois tipos de certeza estamos falando antes de proferirmos a próxima frase.