Quando eu era menino, uma vez, minha tia Lúcia me mostrou uma moeda antiga. Ela tinha grande apreço por aquela peça e não deixava ninguém mexer, pois dizia ser uma raridade. Disse que a tinha ganhado de um padre italiano. Havia inscrições nela e, depois de muitos pedidos, concedeu-me a honra de inspecionar sua valiosa relíquia e eu, provavelmente sem que ela visse, pondo um papel sobre a moeda, consegui decalcar com o grafite de um lápis as imagens do seu anverso e do seu reverso. Também tentei desenhá-la o melhor que pude no mesmo papel, como se vê na foto abaixo. Fato é que depois da morte de minha tia, a tal moeda desapareceu e, com o tempo, pude observar que de fato aquela moeda, que parecia de prata, devia ser muito antiga mesmo e ter algum valor. Num dos lados havia a representação duma embarcação sobre a qual estava escrito Q.LVTATI e no outro, uma efígie com a inscrição CERCO. Dias atrás encontrei o papel e resolvi perguntar ao meu sapientíssimo colega José Marcos se ele teria alguma ideia do que se tratava. Eis que sou informado por ele de que era um denário comemorativo de 109-108 a.C. que celebrava as vitórias navais de Quintus Lutatius Cerco contra os cartagineses na Primeira Guerra Púnica, ocorrida quase um século e meio antes. A distância entre o evento comemorado e a cunhagem do denário equivaleria temporalmente a uma moeda hoje, em 2019, em que se comemorasse a libertação dos escravos de 1888. Por outro lado, a distância entre a moeda de minha tia e o dia de hoje equivaleria aos vinte e um séculos de sua sobrevivência. Cunhada às vésperas do consulado do meu xará romano, faltava ainda um século para que os reis magos visitassem um certo menino nascido numa manjedoura, filho de uma famosa virgem. Meu primo, o primogênito da mesma tia que detinha essa raridade, acabou informando-me que a moeda se perdeu, assim como tudo que é guardado a sete chaves. Fim da história da moeda romana que apareceu e sumiu no interior de São Paulo.
Desde pequeno gosto de colecionar coisas (comecei com insetos, pedras, tampinhas de garrafa, maços de cigarro, livros) e herdei de meu avô uma pequena coleção de notas e moedas antigas, que tentei organizar o melhor que pude. Quero dizer, pensava que eram antigas, mas entre elas não havia nenhuma nota de réis. Adquirindo o catálogo de Cédulas do Brasil, de Claudio Amato et al. soube que a primeira cédula de réis é de 1833, segundo ano do reinado de D. Pedro II, quando ele tinha apenas oito anos e faltavam ainda mais oito para a sua coroação, ano em que Darwin viajava pelo mundo, em que Mérimée se envolvia com George Sand, em que Rugendas estava no México, em que os turcos deixam Atenas, em que os miguelistas foram vencidos em Portugal e se instala o liberalismo, em que Heine se exila em Paris, em que Lamartine é eleito para a Câmara de Deputados, em que Donizetti apresentava suas óperas Torquato Tasso e Lucrezia Borgia... enfim, um ano como qualquer outro. A primeira nota brasileira (a chamada R001 no catálogo de Numismática mencionado) mais parecia um cheque: no reverso não havia nada e, de fato, estampas no reverso só virão a aparecer a partir de 1870, quando D. Pedro II já contava 45 anos, sendo a primeira uma nota de 2000 réis (R014). A função do primeiro papel-moeda brasileiro era a de troco do cobre na província do Ceará. O preço de notas antigas varia muito dependendo do seu estado de conservação: num estado lastimável, que poderia ser encontrada com muitíssima sorte numa feira de bugigangas, vendida por alguém bem informado, equivaleria a duas notas e meia da cédula atual de maior valor, mas num bom estado de conservação, pode chegar a trezentas dessas notas. Curiosamente, a nota mais antiga não é a mais valiosa e eis aí uma das coisas mais antiituitivas da Numismática. O valor de uma cédula antiga está relacionado a diversos fatores. Desse modo, a primeira nota brasileira vale menos que uma rara nota de R$100,00 conhecida como "Ricupero sem Deus", feita em 1994 (C326) e há notas antigas que valem muitíssimo mais: percorrendo o catálogo acima mencionado, vejo, um tanto apressadamente, que talvez a mais valiosa seja uma cédula impressa três anos depois da primeira de todas (a chamada R067), com uma tiragem de pouco mais de sete mil exemplares, que equivaleria, num estado de conservação conhecido pelos numismatas como "supremo", a um valor quarenta vezes maior, ou seja, a um pouquinho mais do que um Mercedes Benz B 200 1.6 CGI Flex 7G-DGT 2018, pelo que o Google me informa agora.
A relação entre antiguidade, conservação, raridade e demanda que culmina num preço de catálogo não é algo fácil de entender. A moeda de minha tia pode ser vista em leilões da internet, mas, se com a nota super-rara de 1836 eu poderia comprar quarenta notas de 1833, a supracitada moeda antiga, apesar de seus 2127 anos, tem valor menor, às vezes um décimo do valor da primeira nota brasileira. Isso tudo parece um contrassenso. E é.
As notas brasileiras têm muitas particularidades que encantam colecionadores. As caríssimas notas de réis ocupam metade do mencionado catálogo. E há muitas estampas. Imagino que até o surgimento do cruzeiro em 1943, era preciso checar o valor e não a cor ou as dimensões das notas, tamanha era sua diversidade. Por exemplo, dez estampas diferentes foram impressas nos três anos do primeiro governo da República, de Deodoro da Fonseca, de 1889 a 1891, e o número de estampas foi multiplicando-se, de modo que só durante o governo Afonso Pena, entre 1906 e 1909, imprimiram-se vinte estampas diferentes: três de cinco mil réis (R091, R092 e R093), três de dez mil (R103, R104 e R169), três de vinte mil (R114, R170 e R115), três de cinquenta mil (R171, R123 e R124), três de cem mil (R135, R172 e R136), duas de duzentos mil (R173 e R147), duas de quinhentos mil (R157 e R174) e uma de um conto de réis (R175). Cada presidente da República Velha que subia ao poder apresentava um outro enxame de estampas exuberantes: só com Artur Bernardes, de 1922 a 1928, foram trinta e três. Mesmo Getúlio Vargas, entre 1937 e 1942, valeu-se de dezoito estampas diferentes de réis. O cruzeiro surgiu abstratamente: no anverso da nota C001 se dizia "um mil réis", pois era idêntica à nota R193 e nem carimbo havia para distingui-las: se o seu número de série ia até 278, eram réis, mas de 279 em diante, eram cruzeiros. Não é estranho que o termo merréis tenha sido desde então sinônimo de qualquer outro nome oficial (curiosamente algo muito parecido ocorre em Cabo Verde para os escudos, chamados de merrés pela população). Outros valores tiveram a mesma sina, até o surgimento de cédulas em 1943, nas quais estava, de fato, escrito, "cruzeiro", ainda autografadas como se fossem cheques. Detalhe: a primeira nota de dez cruzeiros, de 1943 (a chamada C018), tinha a estampa do próprio mui modesto Getúlio. Quando em 1966, no governo Castelo Branco, surgiu o Cruzeiro Novo, também apareceu a técnica do carimbo redondo, que eu vivenciaria posteriormente: a nota C113 tinha a mesmíssima estampa de Getúlio da nota de 1943, mas passava a valer um centavo de cruzeiro novo. Mais um detalhe: nessa nota, a palavra "ministro" estava grafada errada ("minstro"), corrigida mais tarde. Em 1970, as estampas mudam radicalmente com a ascensão do presidente Médici, mas o dinheiro ainda se chamava cruzeiro. Em 1986, sob o governo Sarney, o cruzeiro vira cruzado e os carimbos voltam: a nota com a figura do ex-presidente Juscelino Kubitschek valia cem mil cruzeiros na primeira versão de 1985 (a C176) e, carimbada um ano depois, valia cem cruzados (C179). Talvez culpando o formato redondo do carimbo, adotou-se auspiciosamente um triangular: a nota de dez mil cruzados, lançada em 1988 (C196) com a estampa de Carlos Chagas se tornaria dez cruzados novos (C202) em 1989. O presidente Collor usou carimbos retangulares, para trocar novamente o nome da moeda, e a nota de cem cruzados novos, de 1989, com o rosto de Cecília Meirelles (C206) da era Sarney se tornaria cem cruzeiros em 1990 na era Collor. O cruzeiro ganhou muitos zeros, por causa da inflação, de modo que, em 1993, um retrato de Mário de Andrade estampava uma nota de quinhentos mil cruzeiros (C231), que se tornariam, mediante carimbos novamente arredondados, em quinhentos cruzeiros reais (C236). A nota conhecida como a "baiana", de cinquenta mil cruzeiros reais (C240) foi a última da era pré-real. O cruzeiro real durou menos de um ano e a nota de dez mil, a "rendeira" é uma figurinha muito bonita à venda nas feiras, mas nunca circulou de fato.
Em meio a essa odisseia, há muitos detalhes curiosos. As 111 séries da chamada "nota do índio", de cinco cruzeiros de 1961 e 1962 (C111 e C112, respectivamente durante o governo Juscelino Kubitschek e João Goulart) é colecionada por alguns como um tipo especial de fetiche. Outros têm fissura pelas numerações baixíssimas. Cada maluco tem seu gosto. As notas plastificadas de dez reais de 2000 e 2001 com o rosto de Pedro Álvares Cabral (respectivamente C331 e C332), lançadas durante o governo FHC, inflacionaram-se, como as moedas da Olimpíada brasileira, por causa de colecionadores assistemáticos. Detalhe: na primeira se diz "Pedro A. Cabral" e na segunda, o "Álvares" está escrito por extenso. Em 1961, durante o curto governo Jânio Quadros, outro detalhe curioso: as notas de dez, vinte, cinquenta, cem, duzentos, quinhentos e mil cruzeiros (respectivamente C019, C022, C028, C034, C041, C046 e C054) voltam a ser todas da mesma cor azul, à semelhança de quando foram lançadas em 1943 (C018, C021, C024, C029, C037, C044 e C048). Seria muito fácil confundi-las, a não ser pelo reverso com cores variadas. O próprio governo Dutra achou melhor mudar a coloração delas do constante azul para a mesma cor do reverso em 1949 e 1950 (C065, C075, C083, C089, C094, C097, C099 e C104), mas Jânio, aos 44 anos, talvez tivesse saudades do aspecto e da coloração do dinheiro brasileiro na época de seus 26 anos... Curiosa também é a diferença das notas C146 e C146b, de cem cruzeiros, com a estampa representando o presidente Floriano Peixoto: assinadas em 1974 pelo ministro Mário Henrique Simonsen, durante o governo Geisel, essas notas são idênticas a não ser pela numeração e por um detalhe que só se pode ver contra a luz, na marca d'água: na primeira aparecerá Floriano Peixoto com uma gola baixa e na segunda, com uma gola alta. A marca d'água da nota de um real lançada em 1994 também se modifica em 1997, trocando a efígie da República por uma bandeira.
Falar de notas não é o mesmo que discorrer sobre moedas, sobre as quais hoje me abstenho de falar algo para além da minha experiência de infância com a rara moeda de minha tia. Pelas cédulas brasileiras se responsabilizaram várias instituições: o Tesouro Nacional do Império estendeu-se até a República e somente em 1906, assim que Afonso Pena assumiu a presidência, transferiu-se a responsabilidade para a Caixa de Conversão, substituída, vinte anos depois, pela Caixa de Estabilização, no governo Washington Luiz. O Banco Central do Brasil só lançaria notas mais de quarenta anos depois, sob o governo Médici e é o órgão responsável pela emissão de notas até hoje. Exceto uma. Por motivos que ainda me custam entender, mais de cem milhões de exemplares de uma nota de dois reais, a DZ, foram impressas na Suécia em 2016, sob o governo Michel Temer: em vez da costumeira indicação "Casa da Moeda do Brasil", lemos "Crane AB". De fato, a medida provisória 902/19 acabou com a exclusividade da Casa da Moeda do Brasil na fabricação de papel-moeda, moedas metálicas, passaportes e impressão de selos fiscais federais, alterando a lei 5895/73. Por que apenas essa nota foi emitida até agora é algo que não consigo entender.
Em meio a essa odisseia, há muitos detalhes curiosos. As 111 séries da chamada "nota do índio", de cinco cruzeiros de 1961 e 1962 (C111 e C112, respectivamente durante o governo Juscelino Kubitschek e João Goulart) é colecionada por alguns como um tipo especial de fetiche. Outros têm fissura pelas numerações baixíssimas. Cada maluco tem seu gosto. As notas plastificadas de dez reais de 2000 e 2001 com o rosto de Pedro Álvares Cabral (respectivamente C331 e C332), lançadas durante o governo FHC, inflacionaram-se, como as moedas da Olimpíada brasileira, por causa de colecionadores assistemáticos. Detalhe: na primeira se diz "Pedro A. Cabral" e na segunda, o "Álvares" está escrito por extenso. Em 1961, durante o curto governo Jânio Quadros, outro detalhe curioso: as notas de dez, vinte, cinquenta, cem, duzentos, quinhentos e mil cruzeiros (respectivamente C019, C022, C028, C034, C041, C046 e C054) voltam a ser todas da mesma cor azul, à semelhança de quando foram lançadas em 1943 (C018, C021, C024, C029, C037, C044 e C048). Seria muito fácil confundi-las, a não ser pelo reverso com cores variadas. O próprio governo Dutra achou melhor mudar a coloração delas do constante azul para a mesma cor do reverso em 1949 e 1950 (C065, C075, C083, C089, C094, C097, C099 e C104), mas Jânio, aos 44 anos, talvez tivesse saudades do aspecto e da coloração do dinheiro brasileiro na época de seus 26 anos... Curiosa também é a diferença das notas C146 e C146b, de cem cruzeiros, com a estampa representando o presidente Floriano Peixoto: assinadas em 1974 pelo ministro Mário Henrique Simonsen, durante o governo Geisel, essas notas são idênticas a não ser pela numeração e por um detalhe que só se pode ver contra a luz, na marca d'água: na primeira aparecerá Floriano Peixoto com uma gola baixa e na segunda, com uma gola alta. A marca d'água da nota de um real lançada em 1994 também se modifica em 1997, trocando a efígie da República por uma bandeira.
Falar de notas não é o mesmo que discorrer sobre moedas, sobre as quais hoje me abstenho de falar algo para além da minha experiência de infância com a rara moeda de minha tia. Pelas cédulas brasileiras se responsabilizaram várias instituições: o Tesouro Nacional do Império estendeu-se até a República e somente em 1906, assim que Afonso Pena assumiu a presidência, transferiu-se a responsabilidade para a Caixa de Conversão, substituída, vinte anos depois, pela Caixa de Estabilização, no governo Washington Luiz. O Banco Central do Brasil só lançaria notas mais de quarenta anos depois, sob o governo Médici e é o órgão responsável pela emissão de notas até hoje. Exceto uma. Por motivos que ainda me custam entender, mais de cem milhões de exemplares de uma nota de dois reais, a DZ, foram impressas na Suécia em 2016, sob o governo Michel Temer: em vez da costumeira indicação "Casa da Moeda do Brasil", lemos "Crane AB". De fato, a medida provisória 902/19 acabou com a exclusividade da Casa da Moeda do Brasil na fabricação de papel-moeda, moedas metálicas, passaportes e impressão de selos fiscais federais, alterando a lei 5895/73. Por que apenas essa nota foi emitida até agora é algo que não consigo entender.
Também é difícil entender o que são essas duas letras que aparecem no reverso de todas as notas da chamada segunda família do real desde 2010, sob o governo Lula (diferentemente do que ocorria com as cédulas mais antigas de real, que tinham a numeração no anverso). Na primeira família, que iniciou no governo Itamar, em 1994, essas letras não existiam. Teoricamente, no caso de notas de cinquenta e de cem reais, a primeira letra seria o próprio ano de 2010, quando a estampa de real mudou de formato experimentalmente, de modo que uma nota de cinquenta ou de cem reais começando com B teria sido impressa em 2011, uma com C seria de 2012. Ou seja, como estamos em 2019, estamos na letra J e a letra Z só sairá em 2035. Notas de 10 e 20 reais da mesma família saíram apenas em 2012, sob o governo Dilma Rousseff, de modo que A, neste caso, equivaleria a 2012; B, a 2013; C, a 2014 e estaríamos hoje no máximo com a letra H nesses valores. A letra Z, se a organização for mantida e se o real ainda existir, só sairá em 2037. Em 2013, ainda no governo Dilma Rousseff, saem as notas de dois e cinco reais da segunda família, de modo que hoje, seguindo o mesmo raciocínio, estaríamos na letra G, o que de fato ocorre. Uma nota dessas com a letra Z só será vista em 2038. Notas da primeira família ainda convivem hoje com as da segunda, com exceção da nota de um real recolhida. A última nota de um real foi impressa em 2003 (C254), no governo Lula, e tem uma série de diferenças com relação à primeira de 1994 (C241). É tão feia, que é conhecida na gíria dos feirantes vendedores de cédulas antigas por "real monstro".
A segunda letra das cédulas da segunda família equivaleria ao mês (A seria janeiro, B seria fevereiro, C seria março, L seria dezembro). Uma segunda letra depois de L não deveria existir, mas existe e aparentemente, salvo melhor juízo, deve estar reservada para impressões fora do país, por exemplo, a letra Z da supracitada nota DZ, assinada por Meirelles, pelo jeito, deve significar Suécia...
Tudo parece muito organizado. Será?
Nesse período de nove anos de circulação da "nota nova" de real, seis rubricas de ministros da fazenda aparecem nas notas, referentes a Guido Mantega (do governo Lula e Dilma Rousseff), Joaquim Levy e Nelson Barbosa (do governo Dilma Rousseff), Henrique Meirelles e Eduardo Guardia (do governo Michel Temer) e Paulo Guedes (do governo Jair Bolsonaro). Como a primeira letra representa o ano de impressão e a segunda, o mês, deveria ser fácil descobrir o ministro da época só por meio dessa combinação. Ou seja, notas de cinquenta e de cem de A a F devem ter a assinatura de Mantega (assim como as notas de dez e de vinte de A a D e as de A a C de dois e de cinco), depois, em 2015 deveríamos ver notas F de cinquenta e cem assinadas por Mantega, Levy e Barbosa (bem como notas D de dez e de vinte e notas C de dois e de dez), em 2016 deveríamos ver notas de Barbosa e Meirelles (G de cinquenta e cem, E de dez e vinte, D de dois e cinco), em 2017 deveria haver apenas notas assinadas por Meirelles (H de cinquenta e cem, F de dez e vinte, E de dois e cinco), em 2018 as notas deviam ter as assinaturas de Meirelles e de Guardia (I de cinquenta e cem, G de dez e vinte, F de dois e cinco) e hoje, 2019, somente notas assinadas por Guedes (J de cinquenta e cem, H de dez e vinte e G de dois e cinco).
Grosso modo, é o que vemos por aí, mas há coisas bastante difíceis de entender que ultrapassam essa lógica. Existe toda uma série de notas F de cem assinadas por Meirelles (FJ040932001 a FJ041760000), impressas em outubro de 2015, embora Meirelles só tenha assumido em maio de 2016, após o afastamento de Dilma Rousseff, mas antes do seu impeachment em outubro do mesmo ano. De dezembro de 2015 até maio de 2016 respondia como ministro da fazenda o economista e professor Nelson Barbosa. O mesmo ocorre com notas de 50 reais: uma série de notas E é assinada por Levy (EJ126144001 a EJ126720000), portanto, impressas segundo a lógica, em outubro de 2014, mas Levy só passou a ser ministro em janeiro de 2015. A nota de 20 também tem essa peculiaridade: notas C de dez e de vinte são de 2014, quando o único ministro era Mantega, mas há notas CD de vinte reais, portanto, de abril de 2014, assinadas por Levy, ou seja, oito meses antes de ele assumir o cargo (CD036360001 a CD036600000) e notas CJ de dez reais, portanto de outubro de 2014, assinadas por Levy (CJ089725001 a CJ138965000), que assumiria dois meses depois e por Meirelles (CJ138965001 a CJ139200000), que assumiria quase dois anos depois...
Também vemos esse comportamento curioso nas notas de cinco reais, por exemplo, em abril de 2015 teriam sido impressas cédulas nesse valor assinadas por Meirelles (CJ031380001 a CJ031800000), que ainda não era ministro, como vimos acima. O caso mais curioso é o do último ministro do governo Temer: Eduardo Guardia teria deixado o posto no dia 01 de janeiro de 2019, quando Guedes assumiu, mas ou a lógica das duas letras é completamente imprecisa ou nesse único e último dia de mandato (talvez em metade do expediente), ele teria lançado treze do extraordinário número de vinte e oito notas que assinou nos oito meses que ficou no Ministério da Fazenda, enquanto Meirelles se retirava para concorrer à presidência da República (conseguindo 1,2% dos votos e um amargo sétimo lugar). As notas lançadas pelo ministro Guardia nessa situação supostamente extemporânea seriam as com a letra G de dois e cinco reais, as H de dez e vinte reais, as J de cinquenta e cem reais. Se fosse possível produzir essas treze notas no primeiro de janeiro de 2019, seriam todas GA, HA e JA, mas há, além dessas, também notas de dois reais GB (que só poderiam ter sido impressas em fevereiro de 2019, quando Guedes já era ministro e não mais Guardia), de dez HB e HD (respectivamente fevereiro e abril de 2019), de vinte HE (maio de 2019), de cinquenta JC e JD (respectivamente, março e abril de 2019) e de cem JE (outubro de 2019). Para que foi preciso imprimir tanta nota nessa transição de governo, não sei. O catálogo de Amato Jr et al., impresso no primeiro semestre de 2019, já anunciava as notas de Guedes, mas desconhecia a existência dessa enxurrada de notas no arrebol da era Guardia.
A segunda letra das cédulas da segunda família equivaleria ao mês (A seria janeiro, B seria fevereiro, C seria março, L seria dezembro). Uma segunda letra depois de L não deveria existir, mas existe e aparentemente, salvo melhor juízo, deve estar reservada para impressões fora do país, por exemplo, a letra Z da supracitada nota DZ, assinada por Meirelles, pelo jeito, deve significar Suécia...
Tudo parece muito organizado. Será?
Nesse período de nove anos de circulação da "nota nova" de real, seis rubricas de ministros da fazenda aparecem nas notas, referentes a Guido Mantega (do governo Lula e Dilma Rousseff), Joaquim Levy e Nelson Barbosa (do governo Dilma Rousseff), Henrique Meirelles e Eduardo Guardia (do governo Michel Temer) e Paulo Guedes (do governo Jair Bolsonaro). Como a primeira letra representa o ano de impressão e a segunda, o mês, deveria ser fácil descobrir o ministro da época só por meio dessa combinação. Ou seja, notas de cinquenta e de cem de A a F devem ter a assinatura de Mantega (assim como as notas de dez e de vinte de A a D e as de A a C de dois e de cinco), depois, em 2015 deveríamos ver notas F de cinquenta e cem assinadas por Mantega, Levy e Barbosa (bem como notas D de dez e de vinte e notas C de dois e de dez), em 2016 deveríamos ver notas de Barbosa e Meirelles (G de cinquenta e cem, E de dez e vinte, D de dois e cinco), em 2017 deveria haver apenas notas assinadas por Meirelles (H de cinquenta e cem, F de dez e vinte, E de dois e cinco), em 2018 as notas deviam ter as assinaturas de Meirelles e de Guardia (I de cinquenta e cem, G de dez e vinte, F de dois e cinco) e hoje, 2019, somente notas assinadas por Guedes (J de cinquenta e cem, H de dez e vinte e G de dois e cinco).
Grosso modo, é o que vemos por aí, mas há coisas bastante difíceis de entender que ultrapassam essa lógica. Existe toda uma série de notas F de cem assinadas por Meirelles (FJ040932001 a FJ041760000), impressas em outubro de 2015, embora Meirelles só tenha assumido em maio de 2016, após o afastamento de Dilma Rousseff, mas antes do seu impeachment em outubro do mesmo ano. De dezembro de 2015 até maio de 2016 respondia como ministro da fazenda o economista e professor Nelson Barbosa. O mesmo ocorre com notas de 50 reais: uma série de notas E é assinada por Levy (EJ126144001 a EJ126720000), portanto, impressas segundo a lógica, em outubro de 2014, mas Levy só passou a ser ministro em janeiro de 2015. A nota de 20 também tem essa peculiaridade: notas C de dez e de vinte são de 2014, quando o único ministro era Mantega, mas há notas CD de vinte reais, portanto, de abril de 2014, assinadas por Levy, ou seja, oito meses antes de ele assumir o cargo (CD036360001 a CD036600000) e notas CJ de dez reais, portanto de outubro de 2014, assinadas por Levy (CJ089725001 a CJ138965000), que assumiria dois meses depois e por Meirelles (CJ138965001 a CJ139200000), que assumiria quase dois anos depois...
Também vemos esse comportamento curioso nas notas de cinco reais, por exemplo, em abril de 2015 teriam sido impressas cédulas nesse valor assinadas por Meirelles (CJ031380001 a CJ031800000), que ainda não era ministro, como vimos acima. O caso mais curioso é o do último ministro do governo Temer: Eduardo Guardia teria deixado o posto no dia 01 de janeiro de 2019, quando Guedes assumiu, mas ou a lógica das duas letras é completamente imprecisa ou nesse único e último dia de mandato (talvez em metade do expediente), ele teria lançado treze do extraordinário número de vinte e oito notas que assinou nos oito meses que ficou no Ministério da Fazenda, enquanto Meirelles se retirava para concorrer à presidência da República (conseguindo 1,2% dos votos e um amargo sétimo lugar). As notas lançadas pelo ministro Guardia nessa situação supostamente extemporânea seriam as com a letra G de dois e cinco reais, as H de dez e vinte reais, as J de cinquenta e cem reais. Se fosse possível produzir essas treze notas no primeiro de janeiro de 2019, seriam todas GA, HA e JA, mas há, além dessas, também notas de dois reais GB (que só poderiam ter sido impressas em fevereiro de 2019, quando Guedes já era ministro e não mais Guardia), de dez HB e HD (respectivamente fevereiro e abril de 2019), de vinte HE (maio de 2019), de cinquenta JC e JD (respectivamente, março e abril de 2019) e de cem JE (outubro de 2019). Para que foi preciso imprimir tanta nota nessa transição de governo, não sei. O catálogo de Amato Jr et al., impresso no primeiro semestre de 2019, já anunciava as notas de Guedes, mas desconhecia a existência dessa enxurrada de notas no arrebol da era Guardia.
A confusão não para aí. Uma dessas treze notas é estonteante e merece um parágrafo só para ela. Trata-se da nota de vinte reais com as letras HE. Teoricamente, se as regras acima apresentadas valessem, só poderíamos ter notas HE de vinte reais em maio de 2019 e com a assinatura de Guedes, no entanto, segundo o próprio site do Banco Central, as notas HE numeradas de 000000001 até 072615000 estão assinadas pelo ministro da fazenda Eduardo Guardia e pelo presidente do Banco Central Ilan Goldfajn, durante o governo Temer. Contudo, repetimos, essas pessoas deixaram seus cargos no fim de 2018, com a eleição do presidente Bolsonaro. Curiosamente, quase um milhão de novas notas HE de numeração 072615001 até 073540000 foram assinadas pelo ministro Paulo Guedes e pelo novo presidente do Banco Central Roberto Campos Neto. Isso não é atípico, pois algumas sequências de letras chegaram a ser assinadas por três ministros diferentes, como mostramos acima, por exemplo, as notas CJ de dez reais, assinadas pelo ministro Guido Mantega, pelo ministro Joaquim Levy e pelo ministro Henrique Meirelles. Alguns poderiam pensar que Guedes está tentando arrumar a confusão de seus antecessores, recuperando a lógica inicial das letras do reverso e de fato, não vi nenhuma nota circulando com a assinatura de Guedes durante o primeiro semestre de 2019 (como ainda são raras muitas células impressas por Guardia, sem nenhuma razão aparentemente fácil de entender). Essa seria uma explicação? Talvez.
Mais difícil de entender é que outras quase três milhões de notas HE de vinte reais, depois de Guedes assiná-las, voltaram a ter a assinatura do ex-ministro Guardia e do presidente do Banco Central Goldfajn (?!?!). Como assim? Durante o governo Bolsonaro? Depois de Guedes assinar um lote inteiro? Que confusão terá ocorrido na Casa da Moeda ou no Banco Central ou no Ministério da Fazenda? De fato, as notas numeradas de 073540001 até 077335000 estão nessa situação. Mas a complicação não parou aí. Segundo o site do Banco Central, um quarto lote de mais de vinte milhões de notas HE de vinte reais foi emitido depois disso tudo, assinadas, de novo, por Guedes e Campos Neto, ou seja, as de numeração 077335001 até 09885000. Aparentemente acaba aí a odisseia da HE, já por demais confusa, pois logo em seguida surgirá a HG de 20 reais e, conforme a lógica inicial retomada, essa nota HG teria sido lançada em julho de 2019.
Mas... como prova a foto abaixo, tirada por um amigo meu, encontramos facilmente por aí notas com numeração superior a 09885000. O site do CISMECIR diz hoje que está atualizado. Pois bem, este novo mistério ainda não foi resolvido: quantas mais notas HE de vinte reais foram produzidas ao todo e como depois dessas quantidades tão precisas de suas quatro versões, divulgadas, surgiu uma nova nota, a HG?
Muito ainda se poderia falar sobre o ziguezagueante percurso do dinheiro brasileiro e de sua história, sua relação com os dirigentes máximos do país, com os ministros da Fazenda, com os presidentes dos órgãos responsáveis por sua emissão, com os decretos que circundam a sua confecção, com as datas misteriosas e com sua organização numismática, pois não só de filosofia, insetos e línguas vive um blogueiro. Há quem aprecie a beleza de cédulas exóticas, sem se preocupar com nada disso, como aqueles que compram quadros de borboletas sem sequer saber que lepidópteros são insetos parentes um pouco distantes das moscas. É curioso pensar que algumas coisas podem conter em si um valor histórico mensurável, apesar de banais como objetos em si a ponto de serem confundidas com lixo. No caso do dinheiro antigo, muitas vezes, alguns gramas do seu metal que, derretido, geraria um valor indigno à sua nobreza ou, ainda, a transitoriedade de seu papel facilmente mofável ou devorável por traças traz em si um inestimável valor histórico e isso é paradoxal quando mensurável em moeda corrente: como pode uma nota de cinco reais com a qual eu mal compro um doce na padaria chegar a valer quinhentas vezes mais do que seu valor facial? Se a história, para o pragmático, gera apenas papel velho inútil, como frases de uma língua morta, é inegável que produzirá simultaneamente instigantes lembranças de priscos tempos, apreciadas pelo cientista e pelo historiador, ou ainda um fetiche quase erótico para o numismata apaixonado. Como dizia minha mãe, uns gostam dos olhos e outros, da ramela. Por onde andará agora a moeda da minha tia Lúcia?