O ÓBVIO FINALMENTE REVELADO!!!

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Sou um saci sumério de Botucatu.

sábado, 5 de março de 2022

ESPAÇOS VITAIS E SUAS CAIXAS-FORTES

Sério mesmo? Aquela maldita ave do paraíso dançando novamente no meu quintal? Percorreu éons o seu treino exibicionista, nascido de alguma outra dança, que, por sua vez, nasceu de outra, a qual finda no rastejar de uma lesma. Ninguém lhe infundiu a dúvida do para-quê? Olha ali, ave bocó, a motosserra que porá fim à tua mata. Não paras a dança, a não ser golpeada pelo tronco cadente?

Alguém, ocioso, de olhos radiantes, entrava no mundo de palavras, nas páginas dos livros  feitos com algumas daquelas árvores cadentes. Arrotou o mantra decorado para olhos desejosos de seres babantes, frustrados com sua própria história. O mantra ecoou como a motosserra, mas o amor infundido por ele, na verdade, era a velha egolatria que nada entende. Essa carapaça de paixão cresce tanto, tanto, junto com as vísceras do recalque, seu genitor, que é inevitável que se ouça um dia o anátema de que mantras não servem para nada. Não é mais a árvore que cai sobre a ave inútil, mas, analogicamente, testemunhamos o monge golpeado pela espada da indiferença, lançada da altíssima torre recém-construída pela auto-estima artificial do seu ex-fiel seguidor.

Sem lágrimas, por favor! Choras como se algo raro valesse alguma coisa neste mundo da indigência mental! O que era raro, por natureza e por definição, torna-se raríssimo, porque a ferrugem do desprezo e o carcomido dos anos inúteis estão fazendo passar, pelo buraco da agulha, o tempo, cuja função é pôr eternamente em risco o raro, até que suma de vez. O melhor amigo do valioso é o acaso. Ninguém pensaria em cobrar caro por uma coxinha de dodô, certo? A esfinge te pergunta, a ex-coisa finge que sabe a resposta, sempre deixando de ser e confundindo-se no infinito do nada.

A relação, na verdade, é simples: trata-se da mesma existente na predação. A quantidade de predadores e de presas precisa ser numericamente desigual. Urge que nasçam menos predadores que presas. E que aqueles predadores sofram mais do que estes, aos quais basta baixar a cabeça para comer o capim. Quem vive mergulhado num eterno prato de salada jamais saberá do que estou falando. Cuidado! o paradoxo está não nessa última afirmação, mas na seguinte: o segredo se encontra apenas em que as abundantes presas não evoluam mais do que os poucos predadores, de modo que formas mais eficientes de presas surjam, eficientes demais para evitar a predação.

Não é preciso que haja mais mantras. Não é preciso que haja mais dança. Nem mesmo um esforço maior, que justifique o esforço do predador. Inventou-se uma arma cuja destruição é muito mais eficiente: a opinião. Se médicos dão opinião em artes plásticas, por que o artista não pode opinar sobre medicina? A crise na floresta das especialidades faz de cada cidadão um bioquímico, um físico, um geógrafo, um cientista político, um sociólogo, um linguista. Todos agora, ao desabar da floresta, ao morrer dos predadores, ao findar da dança, ao emudecer do mantra, sapateiam sobre a única coisa que sobrou, sobre aquela gramínea em que pasta o boi, o qual come e comerá as penas coloridas de todos os cocares reais e imaginários. 

Que é isso que ouço? Entoa-se o hino da liberdade, aquela em que todos podem falar sobre remédios, sobre etimologias, sobre capitalismo, sobre terra plana, sobre sociedade. É a epidemia dos discursos, dirão uns; é a vitória do fanatismo, dirão outros (ou os mesmos). Ninguém mais abrirá os livros, isto é fato, porque eles não existem mais. Soterraram as bibliotecas, fecharam as livrarias. O que estava entre uma capa e outra não sairá nunca mais. Escutada a reluzente trombeta do Armagedom, todos terão o direito de ecoar sua voz na mais profunda das selvas das suas obviedades. Se a voz é maviosa, não importa, pois a crítica se confunde cada vez mais com a autocrítica, que, como todos sabemos, é nula. Até quem profundamente sabe algo, profundamente também se esquecerá de tudo e depois que patetamente ruminar o apastelado bom-senso, que regurgita em sua boca, descrerá da perenidade de qualquer coisa e de qualquer valor um dia tido por verdadeiro. 

"Foi assim de fato?", perguntará o cético - sempre na hora errada - "porque eu acho que esse passado pode ainda ser apenas uma lenda, indigna de ser reproduzida".


Na falta de um lastro, o saber desvalorizou-se e entrou na fila daquele patrimônio que não se distingue mais de montes de lixo. Reifica-se tudo para vender? Aliena-se tudo para comprar? Pois bem, desta vez não será exceção. Chamam isso de indústria, mas indústria do quê eu não sei. Duvido que haja alguém que saiba. Dizem que tudo se padroniza, para que seja fácil segregar. Eu me pergunto: segregar-se de quem? Nem mesmo resistir faz sentido mais. Aparentemente resistir significa apenas rodar a roleta novamente e apostar num número que não está ali. A maior obvidade de todas reza que nem só de espaço vital vive o homem: é preciso também uma caixa-forte.

Ai, Erasmo, é verdade o que ouvi de ti? Que foste tu o inventor da civilidade? Que refinamento se espera encontrar num monturo de esterco? Que tesouros há ali? Um anel de turmalina? Fétido anel esse, que me obriga a mergulhar esperançoso de encontrá-lo e, depois de anos, emergindo de sua massa informe, conseguindo respirar um pouco, sentir o ressaibo de alguma náusea incontida, mas eternamente desconfiada.

Nem o inconsciente salva mais: na histeria dos tanques e na saraivada de certezas, o mais digno a fazer é admitir nosso erro sem aliciarmos outras vítimas à nossa causa e, claro, o mais importante, meter uma bala nos próprios miolos depois disso tudo. O que é verdadeiro ficou para mais tarde; tudo que é legítimo é resultado de uma mistura de loucura, infâmia e sacanagem. Não há espaço mais para a empatia. O lúdico se tornou o esgar momentâneo de um chimpanzé comendo uma vítima encurralada. E quanto mais hábil e nobre era essa vítima antes de sucumbir, mais estranho se me afigura esse seu esgar e esse seu deleite.

Enfim, surgiu agorinha um novo espetáculo para atenuar meu tédio. É novo, mas quase idêntico ao de ontem. Esse quase, que permite a existência de uma pequena diferença e de uma grande intersecção, me fará tagarelar, apreciar, debater, defender meu ponto de vista. Na verdade, a vontade da plateia que me ouve é de vomitar, mas, batendo no peito, o gorila humano em cima do edifício prenderá a atenção dos transeuntes por um segundo. E isso lhe bastará. Isto é a felicidade, disse alguém cheio de novas definições. Terminado o show, o gorila fica envolto em névoa. O seu grito - opinou um crítico ainda com uma nesga de memória - não tinha a profundidade anunciada: "afinal, o que esperava ele ao berrar? Criar uma seita válida para todos e para sempre? Ser finalmente abraçado por sua consistência? É pedir demais! Ninguém de carne e osso é tão amado e tão desejado quanto um discurso!".

Basta, celebrei demais a insânia. Nem sabia que conseguiria ir tão longe.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

IDEIAS NÃO ME FALTAM

Sim. Elas vêm, toda hora, a todo tempo, as ideias.

Mas prostrado, retalhado, desconfiado, desiludido, só as recebe na cara quem está orbitando por perto.

Os braços longos não chegam mais até ti. Foram cortados e sangram.

A audácia se intimidou definitivamente dentro do meu peito e sem a timidez audaz não sou mais eu no meio: não há meio, não existo. Não faz sentido a minha existência. Ninguém tem uma opinião sobre a minha existência. Ainda bem.

Os meus limites do mundo se tornaram, assim, o que sempre foram: eu mesmo, julgando sempre.



Desnecessário, invadido e violentado, desapareceu em mim o sentido do mundo no sem-sentido das regras, ditadas por aquilo tudo que não sou eu. Sem vontade de invadir, sou o que resta da tua indiferença, da tua invasão e da tua violência.

Para que mais uma opinião se posso dar um berro?

E nem isso importará, se for ouvido por alguém.

Enquanto isso, ouço.


domingo, 30 de janeiro de 2022

O ANO QUE NÃO COMEÇOU




Prezado leitor,

Escrevo para informar que este ano não começou e talvez nem comece.

Acontece, às vezes. O tempo não é formado de parcelas iguais.