O ÓBVIO FINALMENTE REVELADO!!!

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Sou um saci sumério de Botucatu.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

UM OCEANO DESCONHECIDO

Há quem diga que as coisas mais difíceis de se enxergar são aquelas demasiadamente grandes. Tudo o que se refere à existência, inclusive seres pretensamente sólidos, como nós mesmos, ensanduichados entre a enormidade do Universo e o quase-nada das partículas subatômicas, padece, portanto, de uma perspectiva tremendamente limitada. Essa visão pascalina daquilo que inegavelmente somos, costurada no manto de glória de indivíduos precocemente sábios, que tantos tormentos e tentações padeceram no deserto de sua genialidade, também entraria como um dos efeitos de nossa pulverulência: we're all dust in the wind: eu preciso destas palavras escrita.

Parece, no entanto, que não precisamos necessariamente nos colocar na posição do Demiurgo, para de cima do Universo, enxergar deiformemente a nossa pequenez. Basta imaginar estarmos um pouco acima, na Lua, olhando para os oceanos que cobrem nosso planeta, e veremos a pequena porção de água do Universo, de onde rastejamos sobre a lama antes de nos tornarmos os macacos eretos e altivos que somos. Curiosamente, daqui de cima, não consigo ver o ínfimo infeliz que teve de desbastar, medroso, o que já lhe havia sido presenteado em priscas eras, apenas para matar sua fome. E não é só de comida essa fome, dizem, é de diversão, de arte e de balé. Fato é que essa fome está ancorada num oceano invisível, ainda maior do que os admirados pelo observador selenita. 


O anfíbio que mantém sua notocorda e se imagina igual ao seu Demiurgo tem fome e só ela justificará a sua pouca empatia de carnívoro. Como fazer, se disponho de diversas fileiras de dentes ponteagudos, presenteados pelo meu DNA, se eu, anfíbio e carnívoro, me puser no lugar daquele que será por mim devorado e que tem uma ascendência? Se quem fome é o eu que se rasteja, no máximo apenas a prole lhe infundirá misteriosamente, por vezes, alguma empatia: eis o mistério dos Genes ou dos jinns. Mas ainda não saciado e sem os processos químicos que obnubilam a sua empatia, que impede, de fato, esse rastejante faminto de ser canibal? Fato é que essa empatia precisará ser turvada, para que não nasçam a piedade, o pecado, o remorso, a culpa e o arrependimento, rede de sinônimos, cognatos daquela coisa que uns dizem ser a tal consciência, única dos humanos. Estou bêbado de narcisismo especista se acredito nisso.

Mas aquilo contra o qual esses parassinônimos se digladiam também deve ter um nome, que é o próprio nome do oceano donde vem o tal anfíbio. Por que não chamá-lo de "egoísmo" e estendê-lo aos pré-anfíbios no insondável mundo aquático donde provieram, até bem próximo das arqueias ou de outros seres ainda mais primevos? O egoísmo, assim sendo, surgiu muito antes do sistema nervoso que define a unidade do ser vivo como um indivíduo, talvez esteja mesclado às células que nos defendem das agressões externas, talvez se resuma a uma molécula ainda desconhecida muito especial ou a uma interação de moléculas. Mas deixemos esse mundo onde ainda se podia ver Caos e Gaia. Retomemos nossos óculos e, com nossa miopia, tentemos divisar bem onde está esse oceano no planetinha ali embaixo.

Esse oceano Egoísmo é muito maior do que supúnhamos... Mal enxergamos o Pacífico ou o Atlântico daqui e pensávamos antes que eram ambos tão grandes! Na verdade, nem terras firmes se avistam. É um marzão, com ondas ora calmas ora procelosas, ubíquo, impressionantemente monótono na sua indivisibilidade. Seria esse oceano gigantesco o átomo de Demócrito e Leucipo? Como dizíamos, o demasiadamente grande se aproxima do invisível.

Além disso, tem a capacidade de permear entre o visível e serpenteia por meandros que alagam terras até agora tidas como firmes, causando a antítese de certezas, de pressupostos, de axiomas e de tudo que uma dedução precisaria. É falso, porém, dizer que é imprevisível e ilógico o comportamento desse oceano que acabamos de descobrir e que nitidamente enxergamos, após limparmos bem nossos óculos embaçados. O que é a verdade, aliás, perante o oceano do Egoísmo? Dobrem-se sábios, curvem-se íntegros, beijem-lhe os pés aqueles que andaram, qual Diógenes, com suas lanternas. Esse oceano já entrevíamos nos sofismas, nos poderes, nos exemplos e nas virtudes que não pertencem a este universo e só podem ser imaginadas sem nossos óculos.

ADENDO: patenteiem, por gentileza, essa descoberta e deem-me a glória por lhes ter revelado o mais abscôndito dos seres. Ele é e está, o tempo todo ele nada mais era que o Tudo que vive, viveu e viverá. O egoísmo sempre foi sinônimo da vida, só Hamurabi não sabia, mas Moisés sim, quando erigiu um ídolo a seu deus cioso que não gostava de honras ao seu irmão gêmeo Baal. O egoísta real, contudo, não existe fora das biosferas, nem aquém daquilo que um dia foi nomeado como vivo. Não se sucumbe a nenhuma tentação afirmando isso. Se apreciamos a verdade, aceitemo-la e não pensemos que ela foi jogada entre nós como o pomo de Éris; se não, retiremos nossos óculos, pisemos sobre eles e busquemos outros oceanos da coloração do nosso gosto. Apostaria esses meus óculos quebrados que todas as alternativas mais belas serão, infelizmente, bem menores.