O ÓBVIO FINALMENTE REVELADO!!!

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Sou um saci sumério de Botucatu.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

SINCRONICIDADE

"Se não é logo na primeira vez que as coisas acontecem para nosso deleite, decerto na segunda haverá melhor sintonia com os nossos atos."
 
Por que pensamos assim? Eu sempre achei que a existência desse silogismo é o motivo pelo qual nos autolouvamos como racionais.
 
Famílias que moram no subúrbio acordam de manhã para mais um dia de labuta. De novo e eternamente, avós berram contra a parede e donas-de-casa entoam sua ladainha de tédio e frustração rodrigueana. Algumas, no decorrer dos anos, engrossaram o caldo dos produtivos e orgulhosamente caminham junto com a horda dos esperançosos. Não há escolha: ou nos lançamos à azáfama insuportável ou paramos tudo só para contemplar o absurdo? Tertium non datur?
 
 
 
Dizem que só podemos refugiar-nos desse dilema por meio da fé. Conversa velha essa, desde que surgiu o epicurismo, após a queda da pólis grega. Por causa dessa resignação afirma-se: sim, alguém excelente virá ou algo maravilhoso decorrerá deste ou daquele seu modo de agir. Segundo esse raciocínio, nada de bom reside no agora, apenas no deus Futuro. E se agirmos para acelerar seu advento, a frustração decorrente de nosso agir fará levantar-se uma outra nova fé, do meio dos escombros. E assim consecutivamente, ad saecula saeculorum.
 
Não é essa a mensagem messiânica do Encoberto? De um salazar à espreita rastejante na penumbra, como na lama de um lago escocês escuro, emergindo ovacionado pela Pessoa que o louvara enquanto o via no platônico Mundo das Ideias? Não é óbvio que se revestirá inexoravelmente de crua realidade, tão logo incensado como líder, quer com sufrágio, quer com sangue? Descobre-se então (defunto ideal ou ideal defunto?) que a rosa encoberta deve ser substituída por outra rosa, posta nos fuzis de quem restabelece aquilo que nunca deveria ter mudado... Nessas horas, é o deus Passado que ressurge. Novamente decepção. Longa longa decepção, muito mais que uma vida suporta. Mas que fazer se a mensagem daquela Pessoa tem sob sua base uma má etimologia: mens agitat mollem?
 
Ou será que é o nosso cereal matinal que está gritando? É tanto barulho que não conseguimos ouvir absolutamente nada que faça sentido. É nossa fome que nos lança, quer à ação quer ao comodismo? Ou são as indústrias que não param de trabalhar para aplacá-la? Elas dão o que queremos e tornam as manhãs feias com sua fuligem lançada ao ar, com seu vinhoto lançado à água, com o chumbo lançado à terra, com os resíduos lançados ao fogo. Conseguiríamos viver sem essa poluição tão amada? O que importa é a moral da história: tenho aquilo pelo que batalhei.
 
Desesperançados, caminhamos indo e vindo: entre as passeatas, rumo ao patrão que chuta  nossos fundilhos e, devagar, empacados no rush, rumo ao nosso lar, para acordarmos de novo amanhã e fazermos tudo igual. E teria algo mais que fazer? Isso faz parte do contrato social que assinamos. Para que buscar o porquê se a culpa é toda nossa, quando atribuímos superioridade e poder a quem nos humilhou, humilha e humilhará. Ciente dessa culpa, olhamos para o nada e lamentamos a vida, como quem não tem participação nenhuma. A culpa, obviamente, dizemos no nosso auto-engano, são os outros. "Eu sou uma vítima", berra Alex DeLarge, consciente do mal que a Ciência lhe infringiu. Rimos ou choramos dessa tremenda contradição?
 
 
Vender sua alma, prostituir seu corpo, que diferença faz quando o batom é passado nos lábios e vamos em busca de valores que não nos fazem crescer como indivíduos mas apenas de valores que importam à nossa sobrevivência? Um leão faz o mesmo que um homem tentando capturar uma zebra. Uma lula faz coisa idêntica esticando seus tentáculos. Flores são subprodutos não só do sol e da água, mas também do estrume. E sorrimos, às vezes, nas gaiolinhas onde nascemos. Fugir delas parece pior.
 
Tudo isso aconteceu e acontecerá. Passaram já trinta anos exatos desde que Sting cantou Synchronicity II, dando-nos as ferroadas de quem quer nos policiar. Mas ferroar por quê? Acaso não posso ferroar de volta, sem sequer pensar na razão da ferroada? Policiar de quê? Há nessas palavras mais iluminação do que num raciocínio prosaico? Sem dúvida não, mas a vaidade e o estilo fazem as diferenças de nossas miragens. E cantarolar parece que nos redime. Não é à toa que a contemplação estética e a música nos trazem provisoriamente algo de redenção, schopenhauerianamente pensando. O conteúdo, ao fim e ao cabo, é uma questão de reconhecer o que nos é óbvio desde que descobrimos bem novinhos que a mentira existe. Diante da decepção, enredamo-nos num casulo mais duro que a casca de uma macadâmia.
 
Nesses trinta anos, o mundo caminhou para uma realidade ainda mais esfarrapada do que naquele clip, mas na verdade o estudo de nossa etologia mostrará que continua(re)mos andando em círculo, em busca do esfacelamento total, ao estilo do planeta Terra do Wally. Somos os lemingues lendários que oscilam entre autodestruição e a falta de sentido de nossas buscas. Ou não sabemos onde chegar ou apenas somos programados para viver e, nesse caso, nada foge ao destino. Como os trilobitas foram um dia os donos do planeta, um dia chegará nossa vez. Átropos cortará o fio, sempre do mesmo jeito. Ninguém pode impedi-la. O fado do cérebro do hominídeo é o suicídio coletivo e, enquanto isso não ocorre, competimos uns com os outros, darwinianamente, porque queremos que nosso suicídio seja melhor do que o do nosso próximo.
 
 
 
Resta-nos apenas olhar para o longe no final do dia? Para o nada que cedo ou tarde virá, sem nunca ter-nos deixado? Será esse nada onipresente aquilo que, no auge das civilizações, convencionamos chamar de Deus?
 
Não, lá longe, onde não enxergo, lá onde é impossível que eu esteja, não há nada de interessante. Não há nada melhor do que o que está aqui na minha frente, na minha mão. Lá nesse lugar ansiado há apenas alguém sujeito às mesmas frustrações que tínhamos antes de iniciar nossa viagem em sua direção. Naquele loch não há um monstro, não há mirabile visu. Apenas um homem igual a mim,  ansiando o mesmo que eu. Nossa única diferença era a distância que nos separava. Nossas semelhanças são muito mais gritantes, embora inexplicavelmente desinteressantes.
 
Mas se, a despeito de tudo, o deus esperado não surge, nem nada equivalente, nunca, de onde vem essa cega esperança, se não das profundezas do desequilíbrio de um gene enlouquecido que tirou nossa cauda e nossos pelos e nos fez ciente de nossa nudez e fragilidade? Enquanto isso, os faróis de nosso carro iluminam o lugar que chamamos de lar, porto seguro de nossos prazeres, certeza do bendito e salutar esquecimento dessa condição limitada, incompatível com nossas expectativas megalomaníacas. E nesse momento, nossa dor se vai. E sorrimos.